segunda-feira, outubro 31, 2005

Falar sem Dizer

Quero falar do que se fala e ninguém diz.
Quero usar a língua pra falar o que se dever dizer.
Quero você, com tudo aquilo que significa e implica.
Quero você, com tudo o que tenho direito.
Se você chega, nada mais faz sentido, não é possível falar direito.
Não fico mudo mas de nada adianta não ficar calado.
O que falamos juntos não tem significado, tem sentido,
Não tem sílaba, mas tem pausa para respiração,
Não tem nem vogal e nem consoante, tem apenas o som.
Falamos a língua que não se ensina mas se aprende,
A língua que é viva mas não tem gramática e nem regras.
Aprendemos na escola mas não foi com nenhum professor.
Quero falar com você a língua que não tem nação mas fala todas do mundo.
A língua que não tem país, mas tem todos pra se praticar.
Quero a língua que rima sem som, que alitera sem pronúncia e que cadencia sem pontuação.
Meu travessão, sua vírgula, minha exclamação, sua interrogação.
Quero só as onomatopéias, só as interjeições, só os sons.
Nessa língua, só existem 3 pronomes pessoais: eu, você, nós.
E três pronomes possessivos: os meus, os seus, os nossos.
Não existe alfabeto, mas podemos usar todas as letras.
Números, nenhum e todos. Muitos. Vários.
Verbos são poucos, todos querendo dizer a mesma coisa.
E todos deliciosos.
Existe o sujeito eu e meu predicado.
E existe o sujeito você e todos os seus predicados.
Não interessam os objetos e nem o lugar,
Só se usa o tempo presente, aqui e agora.
Nessa língua, que falamos cada vez melhor,
Inventamos novas frases todos os dias,
Mas ninguém se preocupa em anotar.
Quero falar só essa língua com você, noite e dia.
Quero falar sem dizer, fazer sem explicar, receber sem solicitar.
Encaixar sem medir, alcançar sem planejar.
Quero te deixar muda e ainda assim te ouvir.
Quero falar sem dizer e você compreender.
Vamos falar o que interessa, que o que não interessa estamos cansados de dizer.
Vamos falar logo, sem pressa de terminar.
E falar muito, sem se cansar.
Não interessa o que os outros vão dizer, nós não vamos escutar.
E nem vamos retrucar, o que interessa vamos dizer só para nós mesmos.
Vamos falar a língua de todos e, ao mesmo tempo, de nenhum, só nossa.
A língua em que o significado de cada coisa a gente inventa e torna a desinventar.
A língua que junta a minha na sua, a sua na minha e as duas inventam o que quiserem inventar.
Vamos falar sem parar? Vamos já.

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