terça-feira, novembro 13, 2001

O PÁSSARO E O ESPANTALHO

Ela voa alto, e eu aqui embaixo.
Dou liberdade a meus olhos e eles a vêem.
Ela voa alto, lindo. Eu olho maravilhado.
Mas meus pés estão presos ao chão.

Ela passa por mim, ou por sobre mim,
Olha para baixo, parece sorrir e vai.
Eu olho e tento alcançá-la mas não posso.
Então eu sorrio de volta.

Ela vai longe e eu não saio do lugar.
Ela pousa sobre meu ombro e não posso segurá-la.
Ela desce, fica por perto, é frágil.
Ela roça em mim e me afaga.

Dessa maneira, ao meu redor, mansa,
Sinto até certa superioridade por ser independente.
Ela não, precisa de proteção e parece pedir,
Quando me sorri, essa proteção.

Mas são meus olhos de novo a “ver” coisas.
Esse sentimento de ilusão, esses sonhos,
Talvez eu não devesse ter.
E ela voa novamente.

Muitas vezes meus olhos não a vêem,
Onde eu enxergo, por vezes ela não está.
Sinto uma certa insegurança,
Será que ela não virá mais?
Nessas horas fico triste, quieto, meus olhos,
Voltados para o chão, esperam.
Aí ela vem, sorri, se afasta em direção ao horizonte.
O sol começa a se pôs e eu sinto que vai anoitecer.
Até amanhã. Talvez.
Será que ela vem?

VOCÊ É

Você foi assim,
Como uma febre forte,
Que sobe a temperatura
E provoca delírios reais.
Você foi assim,
Como uma tarde de verão,
Que fica na lembrança
E aquece os dias frios.
Você é assim,
Como uma saudade estranha,
De momentos que ainda
Não vivi.
Você é assim,
Como uma língua estranha,
Que não se pode compreender,
Mas que encanta
Pela música que envolve.
Você ficou assim,
Como uma parte de mim,
Daquilo que vivi
E quero viver.
Você será assim,
Como um sonho que não acaba,
Como uma parte do que sou.
Você será assim.
Pra sempre, pra mim.
Não importa aonde eu vá,
Você estará aqui.

PRANTO

Confusos mitos vociferam na minha cabeça,
Estranhos ritos indicam meu caminho,
Momentos idos pedem e impõem sua crença.
Sons, movimentos, ilusões, sorrisos, e eu continuo sozinho.

Milênios passados debaixo dessa trilha torta,
Vive, sobrevive meu espírito, minha mente.
Caminha além e depois cai quase morta.
Pede e implora, depois engana e mente.

Talvez só por decisão ou talvez destino,
Rastejo atrás do nada que me chama.
Um nada tão concreto, tão ferino,
Que me entrego e apago minha chama.

Talvez essa música de acordes tão vibrantes
É que mantenha vivo e consciente
E mande lembrança de antes,
Desse momento, desse presente.

São frases sem nexo que saem de mim,
Sobre saudades do que não me pertence.
E se continuo a esmo, assim,
É porque o orgulho ainda luta e vence.

Seria mais fácil se eu nada escrevesse,
Nada falasse e meus olhos fechasse.
Provavelmente acabaria esse triste interesse
E o desapego talvez me embriagasse.

Porque não restou um só momento,
Uma só linha escrita n’algum canto.
E não restará lembrança de nenhum tormento.
E pra sempre só restará este interminável pranto.

NOSSOS PAIS

Nossos pais deveriam ter-nos contado
Sobre todas essas coisas
Que somos obrigados a aceitar
E que significam crescer.

Nossos pais deveriam ter-nos avisado
Que o mundo há muito não é o mesmo
Ou, provavelmente, nunca foi
Aquele sobre o qual nos falaram.

Nossos pais deveriam ter-nos preparado
Para aprender a esquecer nossos sonhos
E desistirmos de qualquer consideração
Sobre o que a vida nos oferece.

Nossos pais deveriam ter-nos ensinado
Que cada um é seu próprio mundo
E que todo mundo é só e também um só
E essa é nossa única herança.

Nossos pais deveriam ter-nos falado
Que a vida deveria ser diferente
Mas talvez nunca será
E nosso futuro é nosso passado requentado.

Nossos pais deveriam ter-nos afastado
De todas as ilusões e esperanças,
De nossos planos e intenções,
De nossas considerações e emoções,
Do amor e do ódio que guardamos
E da inconsciência que assumimos.

Nossos pais deveriam ter-nos contado.
Mas, droga, eles também não sabiam.

SEM QUERER

Você chegou assim,
De repente,
Sem conta e sem pretensão.
Você me arrastou
E arrasou junto
Meu coração.
Você chegou assim,
Como se fosse natural,
Como seu devesse saber,
Como se quem fosse louco
Fosse eu.
Você chegou assim,
Sem dizer a que vinha,
E tomou todos os meus espaços.
Você chegou assim,
Sem pressa de ir embora.
E sem dizer o que queria.
E me deixou assim,
Sem querer te deixar,
E sem saber o que querer.

NÃO IMPORTA

Não importa o que aconteça.
Se eu continuar a te amar,
Mesmo que eu entristeça,
Valeu só por tentar.

Amar me parecia inconseqüente.
Um dia louco, noutro, distante.
Mas o que se sabe é menos que se sente.
E todos os esforços não são o bastante.

Sua invasão foi aos poucos.
Eu deixando-me envolver.
Você acabou deixando-me louco,
Que eu nem pude perceber.

Meu amor, dia-a-dia, me consome.
À sua aparição, um fio de esperança.
Mas logo você some,
Deixando-me apenas a lembrança.

Eu vivo um pouco a cada dia,
Alimentando-me da vã alegria
De ter-te, quem sabe, minha.

Eu morro com teu desprezo
E meu sentimento fica preso
A esta esquecida linha.

Mas meu sonho não perde o desejo
De um dia te ver sorrir,
Num longo e demorado beijo,
Num olhar a nos unir

Mesmo que isso nunca ocorra,
Mesmo que de amor eu morra.