segunda-feira, junho 03, 2002

IDAS E VINDAS

Quantas vezes eu quis preencher as páginas
Ansiando preencher a minha alma.
Cada palavra, cada frase, cada rima
Pareciam a verdade derradeira, o conteúdo final, o significado sublime.
Minha mão solicitava as folhas como um esfomeado solicita mais um prato de comida.
Eu devorei não sei quantas linhas,
Quantos litros de tinta.
Mas minha alma continuava vazia.
Inventei paixões, dores de amores, sentimentos descontrolados,
O medo da perda.
Agarrei-me no braço e no corpo de mulheres
Que mal sabia o nome,
Apenas para preencher minha solidão.
Bebi não sei quantas doses da minha verborragia
E não sei quantas páginas de minha erudição.
Injetei na veia cada soluço, cada suspiro, cada traço de meu sofrimento.
Vomitei todos os meus dragões,
Todos os meus desejos mais secretos
E fiz sexo exatamente como se fizesse um novo ser.
Mesmo tendo ido tão longe,
Quis mais, voar mais alto, descer mais fundo, entender além, sofrer de novo tudo.
Repeti e repeti esse caminho
Tantas vezes que perdi os sentidos.
Calejei meu coração e ensurdeci minha razão.
Mesmo duro, insensível e perfeitamente contido,
Não fui capaz de preencher meu próprio espaço.
Busquei nos outros, nas coisas, nos sonhos, na religião,
No mundo, no amor, na raiva, no medo e na negação.
Não encontrei alento e nem tampouco sustento.
Não tive alívio e nem sossego.
Não perdi a pressa e nem o medo.
Não vi sentido e nem mesmo o dedo de Deus.
Essa busca parecia sem fim, sem descanso e sem encontro.
Desafiei todas as leis para negar essa herança.
Só calei minha mente e preenchi minha desaventurança,
Quando encontrei teus olhos, teus pés, tuas mãos.
Só na tua boca encontrei o remédio
Para a ressaca de minha solidão.
Só na tua nuca encontrei o conforto
E o porto seguro da minha devoção.
No teu ventre eu naveguei no remanso,
Experimentei o sabor das frutas da estação.
No teu abraço o laço seu fechou eu eu compreendi,
Afinal, qual era a lição.
Nos teus limites eu encontrei os meus.
Nos teus olhos, perdi os meus.
No teu corpo, esqueci de ser eu.
No teu calor, senti o calor do céu.
Na tua voz eu ouvi todos os deuses,
Todos os santos e todos os milagres.
No teu canto eu encontrei meu canto, meu espaço, meu universo.
No teu pranto, exagüei meus sentimentos e minha cultura.
No teu colo, calei minha loucura.
Você, que sequer buscava alguém como eu.
Você, que nem queria mais o amor.
Você, que já havia até esquecido da dor.
Você, veja só, que sequer procurou.
Você, quem diria, que nem se importou.
Você, que quer repetir todo dia.
Você, que foi amar alguém como eu.
E agora também se perdeu.
Em mim e eu em você.
Pra sempre, enquanto durar o querer.
Pra sempre, pra muito depois de todo o prazer.
Pra nunca, nunca mais esquecer.

CERTAS COISAS

Tem coisas que a razão não conhece
Ou, talvez, não se importe.
Tem histórias que a mente desconhece
Ou, talvez, ignore.
Tem sentimentos que não cabem numa vida
Ou num sonho qualquer.
Tem desejos que superam os obstáculos
E todos os mais profundos temores.
Tem momentos que não se escrevem em livros
Ou não podem ser aprisionados em pedaços de papel.
Tem você ou, talvez, sejamos nós dois,
Que não caibamos em convenções.
Tem esse sentimento e esse desejo
Que talvez não tenha explicação.

ASSIM SEJA

Se tiver que ser assim
Que assim seja.
Não vou mudar o destino,
Nem contrariar as leis.
Mas não me peça para aceitar
Ou achar natural.
Não me peça resignação
E nem compreensão.
Se tem que ser assim,
Que assim seja.
Não vou mover montanhas
Ou te arrastar até mim.
Mas, se por um instante,
Um segundo sequer,
Você não quiser que seja assim,
Assim não será.
Eu correrei todos os riscos
E atravessarei as maiores distâncias.
Se por um segundo apenas,
Você quiser que seja diferente,
Eu não vou esperar
Que as coisas tomem seus rumos.
Eu não vou aguardar a mão do destino.
Se você quiser,
Eu vou mudar as leis
E transformar as regras.
Vou mudar o mundo
Ou te levar para outra dimensão.
Não importa.
Se você quiser,
Eu vou te levar aonde você quiser.
E estarei do seu lado,
Não importa o que custe,
Ou tenha que transformar.